A doutrina calvinista da Soberania de Deus se apresenta em
nosso cotidiano, também através da Providência divina, que pela Graça comum
capacita a humanidade a gerar uma cultura para beneficiar a existência humana na terra. O reconhecimento deste governo divino na história enquanto origem potencial de edificação da cultura humana, oportuniza a compreensão de um debate de "aproximação" esclarecedor à Verdade de Jesus a partir da idolatria de todos.
“O Calvinismo reconhece Deus no mundo: (...) colocando-se perante
a face de Deus, ele tem honrado não apenas o homem por causa de sua semelhança
à imagem divina, mas também o mundo como uma criação divina. Ao mesmo tempo o
Calvinismo tem dado proeminência ao grande princípio de que há uma graça
particular que opera a salvação e também uma graça comum pela qual Deus,
mantendo a vida do mundo, suaviza a maldição que repousa sobre ele, suspende
seu processo de corrupção, e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem
obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como criador.” (Abraham Kuyper,
Calvinismo, editora cultura cristã, páginas 38, 39)
A afirmação de que a origem da criação e também do homem e sua
cultura está em Deus, implica um olhar e relacionamento entre o cristão e o
mundo terreno que é distinto da usual separação santo – maldito ou, religioso –
secular que nos apresenta a perspectiva romana e evangélica comuns.
No livro, Calvino e sua influência no mundo ocidental (Cultura
Cristã), explica Knudsen: "(...) para Calvino, diferentemente do que
ocorria com outros líderes da Reforma, não existe dicotomia básica entre o
Evangelho e o mundo, entre o Evangelho e a cultura...” (o Calvinismo como uma
força cultural, artigo). Conclue, ainda, Kuyper: “(...) E para nossa relação
com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida
pela graça, que a vida no mundo deve ser honrada em sua independência, e que
devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências
ocultas por Deus na natureza e na vida humana.” (Calvinismo, p 40)
Pensando pra evangelizar, podemos refletir que o mundo
dos homens não deve ser já declarado condenado pelo pecado que nele há; nem
também a cultura que nele revela o agir humano deve ser afirmada inicialmente maldita.
Isto porque nem o mundo criado por Deus e nem a cultura gerada pelo
homem, originaram do pecado.
Ao contrário, a natureza e a capacidade do homem de
existir e gerar cultura tem origem na “mão” de Deus. A partir deste princípio é
possível afirmar que até a busca do religioso e as construções humanas de
relacionamento místico tem base original na Pessoa de Deus Pai. Pois a
capacidade do homem de empreender artes e conhecimentos, ainda que em direções
contrárias a Deus, não deixa de ser um dom comunitário divino à humanidade.
Calvino: “Sabemos, sem nenhuma dúvida, que no espírito humano há, por inclinação
natural, certo senso da Divindade (...) Até a idolatria no serve de grande
argumento em favor desta ideia. Porque sabemos quanto o homem tem se humilhado,
contra si mesmo, e em seu detrimento tem prestado honra a outras criaturas
(...) Logo, os próprios ímpios nos servem de exemplo de que algum conhecimento
sobre Deus existe universalmente no coração dos homens.” (Institutas, vol 1 cap
1, o conhecimento de Deus, p 57 – 59)
Portanto, os princípios doutrinários calvinistas da Soberania de
Deus – Providência divina – Graça Comum, direcionam a reflexão e o
desenvolvimento pela Igreja de Jesus de um evangelismo natural e espontâneo;
pois evangelismo que relaciona a cultura do homem àquele que a criou, Deus
Pai. A espontaneidade e naturalidade estão no fato de que o “evangelismo” deverá
integrar e aproximar o homem a Deus, servindo-se exatamente das obras da
cultura humana. Pois, ainda que observadas distantes e contrárias a Ele, permanecem
um potencial divino dado à existência humana na Terra.
Esta surpreendente integração da cultura humana, até idólatra, à
verdade revelada que afirma ser Deus o senhor de toda existência humana, surge em
análise da missão paulina na Atenas do primeiro século. (Atos 17) Neste texto acompanhamos
o evangelista Lucas apresentar o relato dos diálogos que foram base do anúncio
do evangelho de Jesus aos homens naquela localidade idólatra.
Neste propósito, Iniciamos meditação acerca do evangelismo em
Atenas percebendo como o apóstolo, prontamente se dirige ao centro urbano
repleto de deuses, para vê-los tanto em locais públicos e comerciais como ainda
em santuários diversos. Logo depois está envolvido em bate papo diário
com os supersticiosos e religiosos múltiplos, a fim de aprofundar-se nas
novidades. Desenvolve, mais tarde, relacionamento com os que só desejam a
felicidade sensual ou junto dos que acreditam na mãe natureza e num deus que se
confunde com a criação.
Ainda junto a Paulo, aproveitamos pra conhecer os fiscais de
ensino das novas religiões, e isto lá no centro de debates alternativos
idólatras, o areópago. E lá mesmo observamos o anúncio que faz acerca de Deus
Pai, citando-o a partir de existência conjunta no altar dos doze deuses,
aproveitando pra direcionar ao Senhor de Israel os louvores a zeus, conforme
cantavam os poetas gregos Epimênides e Arato.
Nesta breve análise, devemos reconhecer que a prática
evangelística do Apóstolo Paulo não se permite governar a partir do princípio
que pressupõe a condenação da cultura do homem, como pressuposto de valorização
da cultura do evangelho. Distintamente, pode-se propor um diálogo que bem
relaciona a cultura existente à sua origem e propósito. Tal princípio notamos
na experiência paulina em Atenas, posto que o raciocínio do apóstolo apresenta
o evangelho integrando-o à cultura humana, exatamente afirmando que a origem
desta tanto está em Deus quanto debaixo de seu governo permanece; mesmo quando
a enxergamos já mui corrompida.
Finalmente, como o propósito do Evangelho de Jesus é restauração
de tudo que há e salvação de todo que crê, é preciso concluir o processo
relacional de aproximação entre cultura do homem e o propósito original de Deus.
Assim esclarece Knudsen (p 14) quando expõe o entendimento
calvinista: “ (...) ao mesmo tempo, ele (Calvino) não aceitava
simplesmente, sem critica, as realizações do gênio humano. Sua atitude exigia
que tais realizações fossem analisadas quanto às razões que as inspiravam, pois
deviam estar sujeitas aos preceitos de Cristo.” Calvino: “Ora, se todos nós
nascemos com este propósito de conhecer a Deus (...) ficará manifesto que os
que não dirigem a essa meta todas as cogitações e ações de sua vida declinarão
e serão abatidos da ordem da criação. Isso não foi ignorado nem pelos
filósofos, pois outra coisa não entendeu Platão, tendo ele ensinado muitas
vezes que o supremo bem da alma é a semelhança com Deus (..) Igualmente Grilo
argumenta com grande sabedoria em Plutarco, afirmando que se a religião fosse
eliminada da vida dos homens, eles não somente deixariam de ter qualquer
excelência acima dos animais irracionais, mas também de muitas maneiras viriam
a ser muito mais miseráveis.” (Institutas, p 62)
E nesta busca do propósito reto que somente a redenção divina
promete e alcança, Paulo esclareceu aos estoicos que o Deus de Israel não era
mãe natureza, mas sim, o Criador de tudo que existe. Também anunciou, tanto aos
estoicos que concebiam um deus criador e ora ocioso, quanto aos epicureus que
viam a vida e destino enquanto obra do acaso; que foi Deus Pai mesmo quem
planejou e agora governa os tempos e lugares da existência da humanidade. Para
que em tempo oportuno sejam por Jesus, encontrados, “bem que não está longe de
cada um de nós”, diz Paulo.
E conforme a pastoral tradução bíblica de Eugene Peterson: “o
desconhecido é agora conhecido e está pedindo uma mudança radical de vida. Ele
estabeleceu um dia em que toda a raça humana será julgada, e tudo será
acertado. Também já indicou o juiz, confirmando-o diante de todos quando o
ressuscitou dos mortos.” (Atos 17.31)
Enfim, o estudo do evangelismo ministrado por Paulo e o
conhecimento das calvinistas doutrinas apresentadas, indicam-nos um princípio
de anúncio do evangelho que precisa se unir aos outros, também bíblicos que já
conhecemos.
A postura do apóstolo Paulo ao anunciar o evangelho integrando-o à
cultura humana sob os auspícios do agir Soberano do Deus Criador, propõe uma
palavra de redenção pela aproximação ao invés de palavra de condenação pelo
desprezo.
É preciso reconhecer que sentimentos e valores, atos e
conhecimentos do homem, sua cultura neste mundo - mesmo que ora contrários a
Deus, também d´Ele surgiram enquanto possibilidade e potencia. Esta verdade
acerca de toda vida que há na terra é fundamento, tanto de absoluta humildade a
todos os homens, quanto de um evangelismo mais espontâneo e natural; pois o
anúncio da redenção irá indicar prontamente um retorno do que ora somos ao que
originalmente éramos: filhos de Deus Pai!
Foi
este o evangelismo de Deus Pai enviando Jesus ao planeta dos homens e
igualmente o evangelismo do apóstolo Paulo visitando Atenas da Grécia. E até
João Calvino percebeu, tanto que a complexa, mas didática doutrina da Soberania
de Deus ele concebeu; orientando-nos a partir do conhecimento da providência
divina e graça comum dada aos homens, como tudo que há e existe está mais perto
do Senhor do Universo do que ora cremos.
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