sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Evangelismo Calvinista



A doutrina calvinista da Soberania de Deus se apresenta em nosso cotidiano, também através da Providência divina, que pela Graça comum capacita a humanidade a gerar uma cultura para beneficiar a existência humana na terra. O reconhecimento deste governo divino na história enquanto origem potencial de edificação da cultura humana, oportuniza a compreensão de um debate de "aproximação" esclarecedor à Verdade de Jesus a partir da idolatria de todos. 

“O Calvinismo reconhece Deus no mundo: (...) colocando-se perante a face de Deus, ele tem honrado não apenas o homem por causa de sua semelhança à imagem divina, mas também o mundo como uma criação divina. Ao mesmo tempo o Calvinismo tem dado proeminência ao grande princípio de que há uma graça particular que opera a salvação e também uma graça comum pela qual Deus, mantendo a vida do mundo, suaviza a maldição que repousa sobre ele, suspende seu processo de corrupção, e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como criador.” (Abraham Kuyper, Calvinismo, editora cultura cristã, páginas 38, 39)

A afirmação de que a origem da criação e também do homem e sua cultura está em Deus, implica um olhar e relacionamento entre o cristão e o mundo terreno que é distinto da usual separação santo – maldito ou, religioso – secular que nos apresenta a perspectiva romana e evangélica comuns.

No livro, Calvino e sua influência no mundo ocidental (Cultura Cristã), explica Knudsen: "(...) para Calvino, diferentemente do que ocorria com outros líderes da Reforma, não existe dicotomia básica entre o Evangelho e o mundo, entre o Evangelho e a cultura...” (o Calvinismo como uma força cultural, artigo). Conclue, ainda, Kuyper: “(...) E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida no mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana.” (Calvinismo, p 40)

Pensando pra evangelizar, podemos refletir que o mundo dos homens não deve ser já declarado condenado pelo pecado que nele há; nem também a cultura que nele revela o agir humano deve ser afirmada inicialmente maldita. Isto porque nem o mundo  criado por Deus e nem a cultura gerada pelo homem, originaram do pecado.

Ao contrário, a natureza e a capacidade do homem de existir e gerar cultura tem origem na “mão” de Deus. A partir deste princípio é possível afirmar que até a busca do religioso e as construções humanas de relacionamento místico tem base original na Pessoa de Deus Pai. Pois a capacidade do homem de empreender artes e conhecimentos, ainda que em direções contrárias a Deus, não deixa de ser um dom comunitário divino à humanidade. Calvino: “Sabemos, sem nenhuma dúvida, que no espírito humano há, por inclinação natural, certo senso da Divindade (...) Até a idolatria no serve de grande argumento em favor desta ideia. Porque sabemos quanto o homem tem se humilhado, contra si mesmo, e em seu detrimento tem prestado honra a outras criaturas (...) Logo, os próprios ímpios nos servem de exemplo de que algum conhecimento sobre Deus existe universalmente no coração dos homens.” (Institutas, vol 1 cap 1, o conhecimento de Deus, p 57 – 59)

Portanto, os princípios doutrinários calvinistas da Soberania de Deus – Providência divina – Graça Comum, direcionam a reflexão e o desenvolvimento pela Igreja de Jesus de um evangelismo natural e espontâneo; pois evangelismo que relaciona a cultura do homem àquele que a criou, Deus Pai. A espontaneidade e naturalidade estão no fato de que o “evangelismo” deverá integrar e aproximar o homem a Deus, servindo-se exatamente das obras da cultura humana. Pois, ainda que observadas distantes e contrárias a Ele, permanecem um potencial divino dado à existência humana na Terra.
Esta surpreendente integração da cultura humana, até idólatra, à verdade revelada que afirma ser Deus o senhor de toda existência humana, surge em análise da missão paulina na Atenas do primeiro século. (Atos 17) Neste texto acompanhamos o evangelista Lucas apresentar o relato dos diálogos que foram base do anúncio do evangelho de Jesus aos homens naquela localidade idólatra.
Neste propósito, Iniciamos meditação acerca do evangelismo em Atenas percebendo como o apóstolo, prontamente se dirige ao centro urbano repleto de deuses, para vê-los tanto em locais públicos e comerciais como ainda em santuários diversos. Logo depois está envolvido em bate papo diário com os supersticiosos e religiosos múltiplos, a fim de aprofundar-se nas novidades. Desenvolve, mais tarde, relacionamento com os que só desejam a felicidade sensual ou junto dos que acreditam na mãe natureza e num deus que se confunde com a criação.

Ainda junto a Paulo, aproveitamos pra conhecer os fiscais de ensino das novas religiões, e isto lá no centro de debates alternativos idólatras, o areópago. E lá mesmo observamos o anúncio que faz acerca de Deus Pai, citando-o a partir de existência conjunta no altar dos doze deuses, aproveitando pra direcionar ao Senhor de Israel os louvores a zeus, conforme cantavam os poetas gregos Epimênides e Arato.
Nesta breve análise, devemos reconhecer que a prática evangelística do Apóstolo Paulo não se permite governar a partir do princípio que pressupõe a condenação da cultura do homem, como pressuposto de valorização da cultura do evangelho. Distintamente, pode-se propor um diálogo que bem relaciona a cultura existente à sua origem e propósito. Tal princípio notamos na experiência paulina em Atenas, posto que o raciocínio do apóstolo apresenta o evangelho integrando-o à cultura humana, exatamente afirmando que a origem desta tanto está em Deus quanto debaixo de seu governo permanece; mesmo quando a enxergamos já mui corrompida.  

Finalmente, como o propósito do Evangelho de Jesus é restauração de tudo que há e salvação de todo que crê, é preciso concluir o processo relacional de aproximação entre cultura do homem e o propósito original de Deus.

Assim esclarece Knudsen (p 14) quando expõe o entendimento calvinista:  “ (...) ao mesmo tempo, ele (Calvino) não aceitava simplesmente, sem critica, as realizações do gênio humano. Sua atitude exigia que tais realizações fossem analisadas quanto às razões que as inspiravam, pois deviam estar sujeitas aos preceitos de Cristo.” Calvino: “Ora, se todos nós nascemos com este propósito de conhecer a Deus (...) ficará manifesto que os que não dirigem a essa meta todas as cogitações e ações de sua vida declinarão e serão abatidos da ordem da criação. Isso não foi ignorado nem pelos filósofos, pois outra coisa não entendeu Platão, tendo ele ensinado muitas vezes que o supremo bem da alma é a semelhança com Deus (..) Igualmente Grilo argumenta com grande sabedoria em Plutarco, afirmando que se a religião fosse eliminada da vida dos homens, eles não somente deixariam de ter qualquer excelência acima dos animais irracionais, mas também de muitas maneiras viriam a ser muito mais miseráveis.” (Institutas, p 62)

E nesta busca do propósito reto que somente a redenção divina promete e alcança, Paulo esclareceu aos estoicos que o Deus de Israel não era mãe natureza, mas sim, o Criador de tudo que existe. Também anunciou, tanto aos estoicos que concebiam um deus criador e ora ocioso, quanto aos epicureus que viam a vida e destino enquanto obra do acaso; que foi Deus Pai mesmo quem planejou e agora governa os tempos e lugares da existência da humanidade. Para que em tempo oportuno sejam por Jesus, encontrados, “bem que não está longe de cada um de nós”, diz Paulo.

E conforme a pastoral tradução bíblica de Eugene Peterson: “o desconhecido é agora conhecido e está pedindo uma mudança radical de vida. Ele estabeleceu um dia em que toda a raça humana será julgada, e tudo será acertado. Também já indicou o juiz, confirmando-o diante de todos quando o ressuscitou dos mortos.” (Atos 17.31)

Enfim, o estudo do evangelismo ministrado por Paulo e o conhecimento das calvinistas doutrinas apresentadas, indicam-nos um princípio de anúncio do evangelho que precisa se unir aos outros, também bíblicos que já conhecemos.

A postura do apóstolo Paulo ao anunciar o evangelho integrando-o à cultura humana sob os auspícios do agir Soberano do Deus Criador, propõe uma palavra de redenção pela aproximação ao invés de palavra de condenação pelo desprezo.

     É preciso reconhecer que sentimentos e valores, atos e conhecimentos do homem, sua cultura neste mundo - mesmo que ora contrários a Deus, também d´Ele surgiram enquanto possibilidade e potencia. Esta verdade acerca de toda vida que há na terra é fundamento, tanto de absoluta humildade a todos os homens, quanto de um evangelismo mais espontâneo e natural; pois o anúncio da redenção irá indicar prontamente um retorno do que ora somos ao que originalmente éramos: filhos de Deus Pai!
Foi este o evangelismo de Deus Pai enviando Jesus ao planeta dos homens e igualmente o evangelismo do apóstolo Paulo visitando Atenas da Grécia. E até João Calvino percebeu, tanto que a complexa, mas didática doutrina da Soberania de Deus ele concebeu; orientando-nos a partir do conhecimento da providência divina e graça comum dada aos homens, como tudo que há e existe está mais perto do Senhor do Universo do que ora cremos.

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